- Esta foi uma das principais mensagens em destaque na reunião regional da Rede Parlamentar Africana sobre Fluxos Financeiros Ilícitos e Tributação (APNIFFT). Sob o lema “Reforçar a Capacidade dos Parlamentares para Combater os Fluxos Financeiros Ilícitos e Promover uma Melhor Governação Económica em África”, o encontro reuniu mais de 65 membros do parlamento e delegados das Organizações da Sociedade Civil (OSC) em representação das bancadas da APNIFFT da África Oriental e Austral.
No próximo ano (2025) completa-se uma década desde a publicação do Relatório do Painel de Alto Nível sobre os Fluxos Financeiros Ilícitos de África. Embora os intervenientes estatais e não estatais a níveis nacional e regional tenham feito movimentos significativos desde o lançamento do relatório, o sentimento predominante é que estes esforços não resultaram em progressos significativos no avanço da agenda de justiça fiscal ou na abordagem dos fluxos financeiros ilícitos (FFI) no continente africano.
Apesar de quase dez anos de discussões e compromissos políticos, a África continua a ser um credor líquido do mundo. As saídas ilícitas não só persistiram, como também aumentaram ao longo do tempo. O continente está a perder ainda mais recursos num ambiente de “policrise”, marcado por uma recessão económica global, pelos efeitos persistentes da COVID-19, por uma crise da dívida, pelo aumento da inflação e pelos impactos das alterações climáticas.
Em 2015, o Relatório Mbeki estimou que África perdia 50 mil milhões de dólares anuais sob a forma de FFI. Hoje, as estimativas mostram que este número duplicou, impulsionado principalmente por abusos fiscais por parte de multinacionais, actividades criminosas e corrupção no sector público. Estes números sublinham que a retórica sobre a redução dos FFI ainda não produziu os resultados tangíveis esperados.
Embora as provas tenham sido geradas, partilhadas e discutidas com as principais partes interessadas e a vontade política tenha sido estabelecida, o momento de agir é agora. O desafio já não se prende apenas com a “vontade política”, mas com a “coragem política” para implementar as reformas políticas necessárias. Este foi o consenso de mais de 65 parlamentares e delegados de Organizações da Sociedade Civil (OSC) que representam as convenções da APNIFFT na África Oriental e Austral.
O poder legislativo, com autoridade e legitimidade para supervisionar e aprovar medidas contra os fluxos financeiros ilícitos (FFI) e as injustiças fiscais, é visto como estando na vanguarda do desafio ao status quo.
Tal como explica Chennai Mukumba, Directora Executiva da Tax Justice Network Africa (TJNA), após vários anos de construção da massa crítica e da vontade política necessárias, o objectivo é agora impulsionar a mudança e as reformas políticas, passando da retórica para acções significativas: “Esta plataforma (APNIFFT) tem sido fundamental para aumentar a consciencialização e sensibilizar as principais partes interessadas, especialmente os deputados. Mas o nosso foco agora é ver como isto se pode traduzir em acções concretas que produzam benefícios tangíveis para a comunidade em geral”, enfatizou.
A expansão da plataforma APNIFFT, desde a sua conceptualização em 2015, demonstra os progressos alcançados na mobilização e sensibilização ao longo dos últimos anos. Tal como observado por Mukumba, o que começou por ser compromissos informais de parlamentares individuais de diferentes países evoluiu gradualmente para um grupo de indivíduos organizados, alguns dos quais são reconhecidos nas assembleias nacionais. Esta estrutura mais organizada, salientou, dá-lhes agora mais influência do que aquela que tinham quando o Relatório Mbeki foi publicado pela primeira vez.
Os parlamentares precisam de operacionalizar estas preocupações dentro dos seus partidos
Conforme explicou Khanyisile Litchfield-Tshabalala, Presidente da APNIFFT, mais do que apenas aumentar a sua capacidade e mobilizar mais actores sobre o assunto, os membros do parlamento precisam de garantir que a agenda de combate aos FFI e às injustiças fiscais está firmemente incorporada nas suas políticas partidárias.
As políticas partidárias e os manifestos eleitorais desempenham um papel fundamental na definição da legislação, especialmente nos partidos no poder ou governos de coligação. ‘Se não faz disto [FFI] uma mensagem eleitoral, como é que a população o vai responsabilizar por isso? O mesmo acontece para partidos. Se não pressionou o seu partido para adoptar isto como política, como é que o vamos levar ao Parlamento?’, enfatizou Tshabalala.
Neste contexto, os deputados da APNIFFT são instados a integrar estas preocupações nas suas agendas partidárias e a torná-las centrais nas suas mensagens eleitorais. Tshabalala observou que a implementação de tais mudanças nas políticas partidárias demora normalmente alguns meses, e não anos, tornando-se um objectivo viável a curto e médio prazos.
Existe uma oportunidade significativa de impacto e foram estabelecidas as bases regionais necessárias. Conforme observou Awodala Menyani, a nível da APNIFFT, apesar da diversidade nos sistemas jurídicos e cenários políticos em toda a região, todos os países com bancadas funcionais têm presidentes, vice-presidentes e membros que não só estão equipados para contribuir eficazmente, como também estão conscientes de quais as organizações nos seus países podem fornecer o apoio necessário para fazer avançar a agenda.
“Passámos anos a falar e a consciencializar. A maior conquista é que agora estamos a deixar de apenas falar para tomar acções concretas. Já não se trata apenas de mobilizar deputados ou de compreender as questões; trata-se de um envolvimento prático com os nossos homólogos”, sublinhou Menyani.
Estas declarações foram feitas durante a primeira reunião regional da APNIFFT, realizada de 17 a 18 de Setembro em Harare, no Zimbabwe. O evento reuniu 65 membros do parlamento e organizações da sociedade civil que representam as bancadas da APNIFFT da África do Sul, Zimbabwe, Botswana, Madagáscar, Eswatini, Moçambique, Malawi, Zâmbia, Namíbia, Quénia, Tanzânia, Uganda, Burundi e Sudão do Sul.
A conferência abrangeu uma série de questões de justiça económica, incluindo o impacto da dívida no desenvolvimento e o papel dos parlamentares na contração responsável de empréstimos. Abordou também os efeitos das políticas fiscais nos FFI, a importância da transparência dos beneficiários efectivos e a influência das políticas comerciais nos FFI. Além disso, o evento explorou também o potencial de uma Convenção Fiscal da ONU para combater os FFI e o papel dos deputados na defesa da sua adopção.
A Rede Parlamentar Africana sobre Fluxos Financeiros Ilícitos e Tributação (APNIFFT) é um programa emblemático coordenado pela Rede de Justiça Fiscal África (TJNA) com o objectivo geral de proporcionar uma oportunidade para os seus membros, os legisladores africanos, traçarem estratégias, aprenderem uns com os outros e reforçar as suas capacidades no combate aos Fluxos Financeiros Ilícitos (FFI) e às injustiças fiscais no continente.
Moçambique conta, desde meados de 2023, com um Grupo Nacional de Trabalho da APNIFT focado em intervenções legislativas para combater Fluxos Financeiros Ilícitos e questões relacionadas com a mobilização doméstica de recursos. O Grupo foi constituído em meados de Outubro, em Maputo, num Workshop de Alto Nível organizado pelo Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), em parceria com a Rede Parlamentar Africana sobre Fluxos Financeiros Ilícitos e Tributação (APNIFFT) e a Tax Justice Network Africa (TJNA).